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postado em 02/03/2021

Fisco e as empresas em crise: até onde pode ir a execução fiscal contra devedor em recuperação judicial?

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De acordo com dados da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN), o índice de regularidade fiscal de empresas em recuperação judicial é quatro vezes inferior ao de empresas que não se utilizam da ferramenta.[1] Como interpretar essa estatística? A inadimplência fiscal seria mera consequência da crise empresarial, ou a recuperação judicial incentiva a sonegação? A resposta depende de se entender os efeitos da recuperação judicial no crédito fiscal.
 
Os créditos fiscais não se sujeitam à recuperação judicial. Por isso, a redação original do Art. 6º, § 7º, da Lei 11.101/2005 simplesmente previa que as execuções fiscais não seriam suspensas em razão do deferimento do pedido de recuperação judicial.
 
Porém, na prática, a satisfação dos débitos fazendários nunca foi um mar de rosas. Sob o fundamento de que os atos de constrição patrimonial prejudicariam o cumprimento do plano de recuperação judicial, os cofres públicos sempre se viram impedidos de recuperar dívidas, muitas vezes milionárias, contra devedores em recuperação judicial.
 
Na lista dos 500 maiores devedores da União, dentre as 489 empresas listadas, 39 encontravam-se em recuperação judicial no ano de 2019[2]. Devendo cerca de R$ 4.691.425.651,00, a empresa Base Engenharia e Serviços de Petróleo e Gás S.A ocupava a 17º posição no ranking, seguida da Dedini S.A Indústrias de Base na 67º posição, devendo o equivalente a R$ 1.589.538.856,00 e a recuperanda Sifco S.A, na 90º posição, devendo R$ 1.343.736.544,00. Em alguns Estados, os maiores devedores de tributos estaduais estão em recuperação, como a Refinaria Manguinhos, que deve R$ 4.439.146.889,86 de ICMS ao Estado do Rio de Janeiro. Além destas, outras empresas em recuperação judicial listadas, como a Viação Itapemirim S.A e a Oi S.A, contribuem para um histórico de dívidas em situação irregular.
 
É certo que a recuperação judicial não suspende as execuções fiscais (art. 6º, § 7º, da redação original da Lei 11.101/2005, e agora art. 6º, § 7º-B, com a redação dada pela Lei 14.112/2020); é certo também que a competência das varas de execuções fiscais prevalece sobre o juízo recuperacional (art. 5º da Lei 6.830/1980, a Lei de Execuções Fiscais). Contudo, poder tramitar uma execução fiscal, em seu próprio juízo, é coisa bem distante de poder uma execução fiscal levar à satisfação do crédito, ao menos segundo a jurisprudência predominante.
 
A questão, portanto, não é sobre a suspensão ou não-suspensão das execuções fiscais contra o devedor em recuperação judicial; o problema está no momento da satisfação destes créditos por meio de eventuais penhoras ou bloqueios de bens e direitos das recuperandas.
 
Na realidade, a confusão sempre foi tamanha que até mesmo as seções do Superior Tribunal de Justiça (STJ) discordavam com relação a matéria discutida.
 
Para a 2ª seção do STJ, a prática de atos constritivos contra o patrimônio da recuperanda deveria ser de competência do juízo da recuperação judicial, tendo em vista o princípio norteador da Lei 11.101/2005: o princípio da preservação da empresa.
 
Porém, na 1ª seção do STJ, há precedentes que apontam exatamente o contrário: nos casos em que não foram apresentadas as certidões negativas de débitos tributários (CND), incumbiria ao juiz da execução fiscal decidir a respeito dos atos de constrição, conforme disposição do antigo § 7º do artigo 6º da Lei 11.101/2005.
 
Diante da divergência verificada, em 2018, a 1ª seção do STJ afetou como Tema 987 três recursos especiais ao regime dos recursos repetitivos (REsp 1.694.261/SP, REsp 1.694.316 e REsp 1.712.484/SP), determinando a suspensão de todos os processos que tratassem sobre a “possibilidade da prática de atos constritivos, em face de empresa em recuperação judicial, em sede de execução fiscal”.
 
Apesar dos esforços do STJ em pacificar o tema, com os efeitos econômicos causados, dentre outros motivos, pela pandemia do COVID-19, a necessidade de reestruturação da antiga LRJF se mostrou urgente.
 
Assim, desde a entrada em vigor da Lei 14.112/2020, que modificou de forma substancial a Lei 11.101/2005, a situação parece ter mudado aos olhos atentos do Fisco.
 
Segundo  a PGFN, em pedido de desafetação do Tema 987 direcionado ao ministro relator dos recursos especiais mencionados, Mauro Campbell, o §7º-B, acrescentado ao artigo 6º da LRJF[3], permite o prosseguimento das execuções fiscais durante o procedimento recuperatório com a possibilidade de realização de constrição de bens e direitos pertencentes à recuperanda, sendo que cabe ao juízo recuperacional deliberar sobre a essencialidade dos bens penhorados apenas se outros bens ou valores forem indicados em substituição.
 
Apesar da busca desenfreada do Fisco em tentar levantar valores bilionários devidos em tributos pelas empresas em recuperação judicial, os questionamentos práticos sobre o novo parágrafo acrescentado ao artigo 6º da Lei 11.101/2005 parecem tomar forma.
 
Em uma primeira análise, o §7ºB parece trazer consigo uma grande responsabilidade: evitar a inadimplência tributária por parte das empresas em crise, já que, segundos os dados colhidos pela própria Fazenda Nacional, ao que parece criou-se um verdadeiro “paraíso fiscal” dentro dos processos recuperacionais.
 
Porém, grandes responsabilidades costumam vir acompanhadas de grandes problemas.
 
Sob a perspectiva das empresas recuperandas, é possível levantar a seguinte questão: como o devedor em crise, que tem o dever de honrar com o fisco que não está submetido ao concurso de credores, terá capacidade financeira e econômica de substituir as garantias ou constrições realizadas nos processos de execução fiscal? A problemática da recuperabilidade do crédito fazendário não estaria inserida na própria ineficiência do sistema adotado?
 
O dualismo, já enfrentado anteriormente à reforma da Lei 11.101/2005, parece não ter fim.
 
A bem da verdade, o que se observa na prática é um certo descaso, por partes das empresas que enfrentam grave crise econômica financeira, quando o assunto é regularidade fiscal.
 
Já nos primeiros sinais de crise, parte das sociedades empresárias deixam de recolher seus tributos e criam uma espécie de “financiamento mal planejado” para que seja possível manter, a qualquer custo, suas atividades em andamento.
 
A problemática parece ir muito além ao que se limita o artigo 6º, §7º-B, da Lei 11.101/2005. Mesmo diante de um sistema tributário altamente complexo e com uma carga altamente elevada, não podemos esquecer que o procedimento recuperacional não pode ser usado como escudo para um inadimplemento fiscal que, em certos casos, parece beirar a eternidade.
 
A busca pela proteção da atividade empresária que encontra saída no não pagamento de tributos, seja anteriormente ou durante o procedimento de recuperação judicial, gera efeitos maléficos também sobre o aspecto macro.
 
Sob a perspectiva do mercado, o não pagamento de tributos pode vir a gerar uma concorrência desleal com outros players do mesmo segmento, já que a diminuição dos gastos possibilita a redução dos preços dos produtos ou serviços colocados em circulação. É impossível competir com uma empresa que retém valores que, na realidade, pertencem aos cofres públicos.
 
Apesar de não ser possível, e muito menos cabível, proteger uma empresa devedora de tributos a todo custo, a atuação da Fazenda Pública, muitas vezes ineficiente no que se refere a cobrança de seus créditos, também não pode ser isenta de responsabilidade.
 
É de conhecimento quase que geral que as execuções fiscais são as principais responsáveis pelo congestionamento do Poder Judiciário. Segundo dados do CNJ, em 2019, os procedimentos de execução fiscal representavam cerca de 39% do total de casos pendentes no país[4].
 
De certa forma, a dificuldade do Fisco em resgatar os créditos devidos por empresas em crise não está inserida, somente, na dificuldade de atravessar a proteção do juízo recuperacional e ter acesso à bens até então protegidos. Tamanha dificuldade também está inserida na postura inoperante da Fazenda na corrida pela cobrança de seus créditos.
 
Assim, dentro desta realidade, o § 7º-B, inserido pela Lei 14.112/2020, parece dotar o Fisco de um protagonismo um tanto quanto exagerado.
 
Ao inserir a expressão “substituição” no parágrafo discutido, o legislador parece ter buscado uma segunda chance para as execuções fiscais. Mas, e em se tratando de constrição de bens essenciais à manutenção da atividade empresária da recuperanda e sem, contudo, existir outros bens a serem dados em substituição à penhora efetuada, a situação muda?
 
Pela simples leitura do novo parágrafo e em razão da reconhecida importância dada ao crédito tributário na Nova Lei de Recuperação Judicial e Falência, não há nada que possa ser feito.
 
A saída encontrada pelo legislador, neste aspecto, nos parece um pouco drástica.
 
Importante lembrar que o crédito tributário, conforme previsão expressa do artigo 186, caput, do Código Tributário Nacional (CTN), prefere a qualquer outro, salvo os créditos decorrentes da legislação do trabalho ou do acidente de trabalho. Isso, é claro, fora do juízo universal da falência.
 
Desta forma, ao penhorar bens essenciais à manutenção da atividade empresária, estaria o fisco “furando fila” na ordem de recebimento dos créditos? E como ficam os outros credores, inclusive os trabalhistas, e o objetivo ao qual se propõe a própria LRJF, com a eventual diminuição do faturamento da empresa em crise?
 
Apesar de estarmos diante de situação, ainda, sem solução, e apesar da inquestionável importância dos créditos fazendários, as saídas encontradas pela Lei 14.112/2020, em uma primeira análise, parecem ser questionáveis e, em certos aspectos, até mesmo utópicas.

Fonte: http://genjuridico.com.br/2021/03/01/execucao-fiscal-contra-devedor-rj/
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